Como tem sido noticiado pela imprensa, encontra-se em discussão no Ministério dos Transportes, Portos e Aviação e na Casa Civil a minuta de um decreto que promete promover avanços na Lei 12.815 de 2013, também conhecida como a nova Lei dos Portos.
Partindo-se da premissa óbvia de que nenhum marco regulatório é perfeito, podemos reconhecer que mudanças na legislação portuária – assim como na de qualquer outro setor da economia – são, via de regra, bem-vindas, mas desde que amplamente debatidas por todos os segmentos envolvidos.
Caso o debate não seja amplo e transparente, o grande risco que se corre é fomentar um “Frankenstein normativo”, com pouca ou nenhuma capacidade de alterar a realidade que se pretende aperfeiçoar, gerando mais insegurança jurídica, justamente o que é preciso combater quando se fala em aperfeiçoar marcos regulatórios no país.
A referida nova Lei dos Portos trouxe um significativo avanço para o setor, ao permitir que terminais de uso privativo movimentassem cargas de terceiros sem restrições. Esta liberação, como sabemos, destravou uma nova leva de investimentos em terminais, contribuindo para desatar “nós” estruturais.
Mais do que isso, podemos dizer que a mudança preveniu um colapso logístico, algo que se avizinhava, devido à grande demanda por serviços portuários que havia tempo não era atendida, num cenário de formidável crescimento do comércio marítimo global, a despeito de eventuais crises conjunturais.
Gargalos estruturais significam perda de eficiência, produtividade e competitividade. Não devemos aprofundar o “custo Brasil”, reconhecidamente alto e prejudicial às nossas empresas e a nossa economia.
Por esta razão, o debate sobre mudanças no marco regulatório do setor é relevante e deve ser feito de forma profunda, colhendo contribuições de todos os setores envolvidos. Isso inclui não apenas as empresas que administram e operam os terminais, por meio de suas entidades representativas de classe, mas também os usuários dos portos (exportadores e importadores) e as empresas transportadoras marítimas.
A questão é grave. Noticia-se, por exemplo, que o decreto em elaboração pelo governo fará com que 10% das tarifas portuárias sejam destinadas diretamente para pagar obras, em especial de dragagens, sem passar pelo caixa das Companhias Docas. Sem entrar diretamente no mérito da questão e sem deixar de reconhecer a importância da realização de obras de melhorias nos portos, em especial as de dragagens, como é possível que alterações desta magnitude sejam decididas sem que os envolvidos se manifestem?
Há em funcionamento uma Comissão Portos, integrada por entidades de grande representatividade e prestígio, tais como CNI, CNC, FIRJAN, IBS, ABDIB, AEB, SYNDARMA e CENTRONAVE, entre outras. Sua missão é justamente discutir melhorias para os portos, e assim vinha sendo feito desde o advento da Lei 12.815 de 2013. Porque tais setores não estão sendo ouvidos?
No caso da destinação das tarifas diretamente para obras, não é possível afirmar se a medida é acertada ou não, pois não houve discussão. Mas a simples dúvida já gera incertezas jurídicas, além de novos questionamentos, com alto risco de judicialização – tudo que se prometia prevenir. Que certeza podemos ter que os aspectos positivos do marco regulatório, como o citado mais acima, não serão alterados ou não sofrerão retrocessos?
O problema da dragagem (problema só no Brasil, pois em outros países é solução) é um triste exemplo. Simplesmente o Estado não consegue destravá-lo e resolvê-lo. A questão é o modelo? Vamos então discuti-lo! O que o novo decreto fará a respeito? Enquanto isso, a cada centímetro a menos de calado, um moderno navio porta-contêineres deixa de carregar algo como 110-120 toneladas de carga. Há portos operando com menos dois metros de calado do que deveriam.
As companhias de navegação de longo curso, em conjunto, responsáveis pelo transporte de mais de 95%, em valor, do comércio marítimo nacional, e representadas pelo CENTRONAVE, têm plena confiança nas contribuições que podem ser oferecidas por essas diversas associações nas questões que estão sendo estudadas para o setor portuário. E por esta razão entende que o seu papel, como interlocutor, deve ser urgentemente resgatado pelo governo.
É preciso evitar que um “Frankenstein normativo” ganhe vida e cause prejuízo aos portos e à economia do país.
Claudio Loureiro de Souza
Diretor-Executivo do Centronave – Centro Nacional de Navegação Transatlântica