Quanto mais participamos de eventos de comércio exterior, mais nos conscientizamos do quanto ainda há para fazer neste país. E não só quanto às necessidades logísticas para que tenhamos alguma chance de evolução. Também quanto a conhecimentos da atividade. E não só de profissionais comuns, aqueles do dia a dia. Também autoridades e dirigentes.
Ficamos impressionados com o fato de ouvirmos pessoas que nem sequer conhecem termos corretos. E, pior, dispõem-se a falar em seminários. Com isso, enquanto uns ensinam, outros vão pelo caminho contrário, confundindo os profissionais da área. Vemos cada vez mais que as pessoas não estão muito interessadas em ler, pesquisar, aprender, para poder, depois, ensinar. Mas, não é culpa apenas delas. É também de quem convida para falar, que sabe muito menos.
E, assim, caminha nosso comércio exterior. Por mais que se peça que leiam, estudem, menos vemos isso. Quanto mais rezamos, mais assombração nos aparece.
E se nem sabemos do que as coisas se tratam, não há como fazer, reivindicar, trabalhar. E ao pedir ao governo determinadas coisas, ele também nem sabe o que é. As posições no governo continuam sempre entregues aos amigos, aos apaniguados. Nunca aos profissionais, aqueles que fazem e conhecem. Que não são muitos, mas os temos.
Recentemente estivemos em um seminário e vimos tudo isso novamente. E se falou várias horas sobre multimodalidade. Com raros momentos sobre a realidade abordada, que era intermodalidade. Raras são as pessoas que conhecem as duas coisas e sabem diferenciá-las.
A multimodalidade, criada pela Lei 9.611/1998, regulamentada pelo Decreto 3.411/2000, sequer funciona no país. É uma Lei natimorta. Depois de dormir anos no Congresso, já existe há 19 anos e continua ignorada. Sabemos que ela jamais funcionará no país, a não ser uma guinada radical, que coloque as pessoas certas no lugar certo na hora certa. Algo que sabemos, não é para o Brasil, infelizmente. É o transporte de uma carga, de ponta a ponta, com um OTM – Operador de Transporte Multimodal, com apenas um conhecimento de embarque.
O assunto a ser abordado e melhorado é a intermodalidade. Que é a melhor solução para a logística do país. Hoje o que fazemos é transporte, não logística. Que, infelizmente, muitos ainda sequer sabem o que é. Temos a pior matriz de transportes da Via Láctea. Culpa do governo e dos profissionais e empresas. O fato mais comum é transportarmos uma carga do sul ou sudeste para o norte ou nordeste, ou de qualquer lugar para qualquer lugar, de caminhão e seus derivados, como carretas, bitrem, rodotrem.
O que menos se pratica neste país é a logística, mesmo a mais trivial. Em que se utiliza mais de um modo de transporte para isso. Um aparte para frisar o “modo de transporte” e não “modal de transporte” como falado por praticamente todo mundo. Modal é adjetivo e não tem sentido usá-lo.
No evento falou-se muito em plataformas ou terminais multimodais. Na realidade, intermodais, que é o termo correto. O país precisa olhar, tanto o governo como as empresas, para essa forma de operação. Temos de criar terminais intermodais às centenas. Eles têm que permear o Brasil de ponta a ponta. Um país continental, com mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, não pode continuar transportando carga e cruzá-lo com apenas um modo de transporte, o rodoviário.
Não que o rodoviário seja ruim, muito pelo contrário. Costumamos dizer a nossos alunos e interlocutores que ele é o melhor meio de transporte que existe. O único que pode fazer tudo sozinho. Que pode pegar a carga num ponto e entregá-la em outro sem depender dos demais modos de transporte. Porém, ele tem sérios problemas. É o menor modo de transporte, o que carrega menos carga e tem estrutura cara. Tornando-se, assim, o mais caro modo que existe. O que o isola como um veículo para pequenas distâncias, distribuição de carga e ligação com os demais modos. Não longas distâncias.
Temos de aprender a utilizar os modos de transporte conforme seus custos, do menor para o maior tendo a seguinte ordem. Hidroviário interior, marítimo, ferroviário, aéreo e rodoviário. A não ser que seja inevitável subverter essa ordem.
Como se sabe, somos um país escondido. No fundo da América Latina, estamos longe dos grandes mercados, como Europa e Ásia, e relativamente perto dos EUA. Assim, nossos custos de transporte para quaisquer desses mercados são mais altos do que entre EUA e Europa, do que entre Europa-Ásia, do que entre África e Europa-Ásia. Portanto, para diluirmos os altos custos externos, temos de ter o custo interno mais baixo que os demais países. Assim, poderemos compensar a perda externa. Mas, o que vemos é que temos altos custos internos e altos custos externos. Assim, não há como ser competitivo e sair da sina tradicional do 1,0% do comércio exterior mundial. E com apenas entre 17% e 20% do nosso PIB, enquanto a relação média mundial é de cerca de 50%.
É fundamental que olhemos com mais carinho para as plataformas ou terminais intermodais, pois é a nossa chance de fazer logística, usando vários modos, reduzindo custos e nos tornando competitivos, tanto nacional quanto internacionalmente.
Samir Keedi
Mestre em Administração com 45 anos de vivência no comércio exterior, autor de diversos livros sobre comércio exterior, especialista em transportes internacionais, unitização de carga, logística e seguros.
Artigo originalmente publicado na Revista Virtual Sem Fronteiras